sábado, 3 de setembro de 2011

AQUAPLAY - Galeria Iberê Camargo

detalhe do trabalho "grandes acontecimentos" de Dirnei Prates

Na exposição Aquaplay, aberta no dia 01 de setembro na Galeria Iberê Camargo, Usina do Gasômetro, apresentamos um conjunto de trabalhos ambientados no litoral, que brincam com conceitos da fotografia e seus sistemas de representação e apreensão. Através de recortes, justaposições, limites e passagens, os vídeos e fotografias presentes na mostra, procuram estabelecer um jogo onde a ideia do “instante decisivo” é constantemente subvertida.
CONJUNÇÕES DE LINGUAGENS ENTRE A FOTOGRAFIA E VÍDEO NA EXPOSIÇÃO AQUAPLAY

De um lado, a imagem imóvel; de outro, a imagem em fuga – e, entre estas, um jogo de conjunções de linguagens que aproximam os trabalhos em fotografia e em vídeo de Dirnei Prates e Nelton Pellenz. No conjunto, a água como matéria visual.

Passagens, limites, cortes e justaposições são as questões que reverberam entre os trabalhos fotográficos Grandes Acontecimentos, 2011 e Aqui, 2011, de Dirnei Prates. Para o primeiro, o artista captou imagens de orlas do mar veiculadas a partir de um monitor de televisão, formando um conjunto composto por quatro livros de pequenos formatos. Estes são dispostos de modo que, ao manusear as páginas para frente ou para trás, se podem construir diversas justaposições de paisagens panorâmicas, conectadas pela linha do horizonte e pelo intenso cromatismo. É como se o artista criasse várias pausas de uma sequência de diversos fotogramas de um filme.

Em Grandes Acontecimentos, apesar da linha vertical, o olhar escorrega entre as imagens pela potência das formas das paisagens, mas em Aqui o artista cria zonas de contenção para o olhar. A estratégia de justaposição de imagens, também herdada de outras obras anteriores do artista, reverberou na constituição de Aqui. Os seis trabalhos dessa exposição apresentam a mesma paisagem de fundo, porém as figuras não são as mesmas. Não é o fotógrafo que se desloca na busca dos acontecimentos, mas são estes que vêm até ele. Os transeuntes são sequestrados assim que cruzam na frente da lente da câmera, fixada num ponto da paisagem.

Se a forma de capturar as imagens pode lembrar a ideia do “instante decisivo”, o procedimento de montagem quebra essa noção do melhor momento do registro, pois o artista parece colocar em ruína aquela noção da fotografia. Com as fotografias ampliadas, Dirnei secciona os corpos das figuras, a exemplo do que fazia Degas em suas pinturas, e justapõe esses corpos a outros corpos igualmente seccionados da outra imagem, como para evidenciar um tempo fraturado. Assim, cria nessas figuras um “punctum” que fisga o olhar, deixando a percepção da paisagem para um segundo momento. A linha vertical de interstício entre as imagens conduz às figuras decepadas, e estas funcionam como zonas de contenção para a continuidade visual em sentido paradoxal ao fundo da paisagem. Isso reforça a ideia de limite e de bordas. É como se as bordas, os elementos da periferia da imagem usurpassem a nobreza do centro da composição, propondo uma derrota ao olhar viciado na tradição do bom enquadramento. As noções de bordas e limites não se referem apenas a aspectos formais se for lembrado que o conteúdo temático das imagens mostra a delimitação entre o mar e a terra.

Uma aderência muito próxima do trabalho Aqui é o vídeo Neste mesmo lugar, 2010, de Nelton Pellenz, devido à acentuada genética fotográfica na concepção e na apresentação. Sobre um mesmo fundo de água e de montanha da Lagoa da Conceição, em Santa Catarina, em intervalos de tempos, instantâneos fotográficos de pessoas e árvores aparecem e desaparecem repentinamente sobre a paisagem, ao som de um clique fotográfico. O dispositivo de edição gera o quadro a quadro, o que impregna as imagens de referência à imobilidade da fotografia. Porém, há uma sensação de velocidade pelo único sentido como as imagens correm sobre a paisagem, pela tremulação do fundo, tudo isso corroborado pelo som de um trem em movimento.

Impregnado de evidência fotográfica também é o vídeo de Pellenz, Neste outro lugar, 2010. Ao colocar a câmera no nível da areia, uma grande tomada estática em primeiro plano superdimensiona a imagem. Não é foto, mas a tomada fixa e quase inerte desse plano é da ordem do fotográfico. Ao contrário do outro vídeo, a ação ocorre na borda da linha do horizonte, onde cabeças de figuras transitam como pontos no espaço até serem atingidas por um som de tiro ao alvo, como num jogo. Sons metálicos, em alusão aos filmes de ficção científica dos anos de 1960, e rajadas de vento intensificam um clima enigmático. O silêncio visual desse amplo primeiro plano é quebrado de vez em quando por pequenos insetos, que fazem ligeiras aparições, e pela passagem da escuridão à luz, o que pode lembrar a forma como uma imagem vai se revelando ao olhar durante o processo químico no laboratório fotográfico. Mas depois volta a escuridão, possivelmente para pontuar a trajetória do tempo. Os vídeos jogam com a fixidez e a mobilidade do tempo da imagem.

O vídeo Pretérito Eu, Pretérito Tu, 2011, de Pellenz e Prates, evidencia outro sintoma dos diálogos entre vídeo e fotografia através de recursos de natureza fotográfica: cada fragmento das imagens do vídeo de registros de praias é intercalado pela simulação do abre-e-fecha da cortina do obturador da câmera fotográfica, e uma caixa de madeira semelhante à antiga câmera fotográfica caixote é utilizada como suporte para exibição do vídeo, fazendo jus ao título como algo do passado. Essas aproximações entre vídeo e fotografia bem poderiam lembrar a noção do Entre-Imagens de Raymond Bellour.

Se a imagem de água alude a movimento e fluidez, paradoxalmente, a imobilidade da fotografia a congela, mas o vídeo resgata a sua natureza inquietante de mobilidade. Aqui, Grandes acontecimentos, Pretérito Eu, Pretérito Tu, Neste mesmo Lugar e Neste Outro Lugar parecem irrigar-se uns aos outros através das conjunções de suas identidades.


Niura Legramante Ribeiro
Crítica de arte e professora na Universidade Feevale e no Atelier Livre
Doutoranda, PPG-AVI, UFRGS e Mestre em Artes, ECA/USP



 








imagens do vídeo "Pretérito eu, pretérito tu"

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Paula Ramos sobre a exposição Cartão de Visita

Textos com seriedade sobre arte e exposições locais são tão raros de se ler nos jornais, que ficamos super felizes de participar de um destes poucos momentos.

Abaixo, texto de autoria de Paula Ramos publicado no jornal zero hora, sobre a exposição Cartão de Visita, na Galeria Gestual de 13 de agosto a 03 de setembro de 2011

Cartão de Visita

Cartão de Visita: uma apresentação


O cartão de visita é um documento objetivo que atende a prática social de apresentar seu portador a um receptor. Sua função é dar a conhecer alguém, fornecendo dados de conservação e de consolidação desse conhecimento a outrem. Cartão de Visita é um projeto, desenvolvido em parceria com a Galeria Gestual, que tem por fim apresentar ao público quatro artistas emergentes

Bruno Borne, Dirnei Prates, Marília Bianchini e Nathalia García

Os valores que nos levam a apresentá-los são a consistência de suas pesquisas visuais, a elevada invenção dos seus dispositivos e a qualidade evidente de suas obras. Agregados a estes valores temos algumas virtudes, tais como a contemporaneidade das linguagens e dos suportes utilizadas – vídeo, fotografia e instalação –, além do reconhecimento que eles já têm dentro do protegido circuito acadêmico. Todos esses predicados: valores, virtudes e reconhecimento nos autorizam esta iniciativa, pois apresentar, consolidar e resgatar nossos valores artísticos é a função que escolhi como modus operandi há vinte anos, ao iniciar-me no campo das artes visuais. Mais do que uma prática profissional este princípio ético tornou-se um modus vivendi, uma duração de incontestável prazer e inquestionável riqueza, que agora comemoro apresentando-lhes orgulhosamente, neste Cartão de Visita, quatro jovens artistas.

Paulo Gomes

Agosto 2011


Os trabalhos podem ser vistos em http://www.gestual.com.br/templates/expo_cartaovisita.htm


Zona de neutralidade na galeria Gestual

Zona de neutralidade


           O trabalho consiste em apropriações de fragmentos de fotografias, que me marcaram ao longo dos anos. São imagens importantes na história da fotografia, facilmente reconhecidas quando vistas. Retiro destes cenários icônicos os coadjuvantes que aparecem, quase sempre incautos, na cena. Estes personagens, contidos numa zona neutra da fotografia (lugar oposto ao assunto do primeiro plano), assumem o foco principal, criando narrativas que os desprendem do contexto de onde foram subtraídos.
           Dirnei Prates

Exposição coletiva Cartão de Visita, na galeria Gestual


As imagens foram extraídas das fotos abaixo:
1-Child with toy grenade in Central Park – 1962- Diane Arbus
2- Whitby Yorkshire – 1978 – Ian Berry