sábado, 31 de janeiro de 2009

lances de vista : paisagens








Uma cidade que passa

Há uma cidade de grandes estruturas que têm a duração de anos ou séculos. E há a cidade de um dia, a cidade que dá a imediata impressão de ser feita de imagens, de sensações, de impulsos mentais, a que realmente vemos e que não é dada pelas arquiteturas imóveis. Esta é a cidade que vemos. Este é o ambiente no qual vivemos. As grandes estruturas nos escaparão, não as poderemos mais ver.
Giulio Carlo Argan.

As obras participantes da exposição (Lances de Vista: paisagens), de Dirnei Prates e Nelton Pellenz, parecem confirmar a preferência de grande parte dos artistas de hoje em recorrer à fotografia e ao vídeo como meios de expressão.

Nas origens da arte contemporânea, essa preferência foi interpretada como uma tendência à ‘desmaterialização da arte’, expressão que, ainda hoje, soa paradoxal, pois como é possível que obras desmaterializadas se apresentem sob a forma de vídeos, performances, instalações e fotografias?
Em relação a esse problema, a teórica e historiadora norte-americana, Lucy Lippard, que cunhou o termo ‘desmaterialização da arte’ como sinônimo de ‘arte conceitual’, afirmou:

Entendo ‘arte conceitual’ como uma manifestação na qual a idéia é o centro supremo e a forma material é secundária, efêmera, barata, despretensiosa e/ou desmaterializada¹.

Para Lippard, a desmaterialização da arte se opunha às categorias artísticas tradicionais, aos lugares oficiais da arte e, sobretudo, à condição da obra como produto mercadológico, vinculando claramente a produção conceitual ao ideário da contracultura dos anos ‘60.

Hoje, os tempos são outros e as relações entre arte e vida se produzem em termos menos dicotômicos. Porém, se aceitarmos a definição de arte conceitual de Lippard, (obras em que a idéia assume o centro e a materialidade é secundária), pouco da arte produzida hoje escapará de ser considerada herdeira dessa vertente.

Talvez o que surpreenda no desenvolvimento da arte conceitual, ao longo das últimas décadas, é que não foram as obras, mas as fronteiras entre arte e vida que se desmaterializaram. Ainda que não se tenha cumprido o sonho dos pioneiros da desmaterialização de ver a arte ganhar as ruas e as paredes dos museus desaparecerem, as fronteiras entre arte e vida se tornaram mais permeáveis e fluidas, graças, em parte, à atuação daquela geração.

Hoje, aceitamos que o que se passa nas galerias de arte se passa dentro da vida, a despeito do fato de que poucos compartilham desse pequeno nicho e de que parte dos artistas desacredite de sua eficiência como lugar de mediação.Aceitamos o mundo da arte como parte da vida, da mesma forma que aceitamos aquilo a que assistimos na televisão, ou o que imaginamos se desenrolar sob os viadutos, no interior das celas de penitência e nas salas de concerto; parte da vida é o mundo noturno observado pelas sentinelas, aquilo que se enfileira nas prateleiras de um armazém e o sono de quem se abriga nos dormitórios residenciais.

¹ LIPPARD, Lucy. Escape Attempts. In: “Six Years: the Dematerialization of Art Object from 1966 to 1972”. Berkeley: University California Press, 2001.


Como poderia ser diferente com a arte?
Seguindo as considerações de Marcelo Coutinho, talvez a arte contemporânea seja mesmo insipiente na qualidade de um campo do saber; todavia, nem mesmo isso a exclui da esfera da vida, pois tudo o que existe, existe nela, e em nenhuma outra parte.

Na galeria da Fundação Ecarta, a meio caminho entre o bairro Azenha e o centro de Porto Alegre, Dirnei Prates e Nelton Pellenz nos convidam a compartilhar paisagens capturadas desde outros interiores, seja de uma janela aberta sobre o horizonte edificado da cidade, ou de uma mirada para fora de si, em direção ao céu.

Se eles elegeram a fotografia e o vídeo para essa comunicação, arriscaria dizer, foi para que o fluxo da vida urbana passasse por ali também, sob a forma de ondas de luz, e abrisse janelas nas paredes já não tão espessas entre galeria e arte, exposição e rua, artista e homem que passa.

Maria Helena Bernardes,
outubro de 2007.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Sobre Entre Linha

Linhas contra o horizonte se deslocam levando palavras, estórias, urgências, nesta trama de fios que se acumula. Ao mesmo tempo em que se desloca, o passageiro observa atentamente a materialização de torres, postes e árvores fundidas entre tempos, entre linhas, entre o desejo de quem espera uma resposta.
O vídeo de Nelton Pellenz fala de deslocamentos físicos e virtuais, deslocamento de mensagens e presenças ausentes, ecos e reverberações de notícias que se cruzam e se emaranham. Fala também do acumulo e do execsso destes na época atual, refletidos nas imagens de tom noir que reproduzem, quase como um gráfico, a insurgência nas comunicações.
Entrelinhas, ao contrário de seus outros vídeos, não lida com as relações de inércia/movimento da imagem, o que estabelece diálogos imediatos com questões da fotografia (embora a questão fotográfica se apresente no tratamento rigoroso dado à imagem). O Plano sequência (quase sempre presente nos seus vídeos), se apóia na idéia de um percurso intrigante, entre um início qualquer, eleito por ele, até um fim, num futuro colapsado por demandas de fios, redes e distâncias atemporais.
Dirnei Prates/dez 08